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Tensões e Conflitos Emergentes

A reunião anual do Fórum Econômico Mundial realizada em fins de janeiro de 2006 em Davos, Suíça, dedicou boa parte das palestras e trabalhos em grupo aos países “emergentes”. Nesta categoria encontrar-se-iam China, Índia, Brasil, Rússia e um grupo de países menores – Indonésia, Tailândia, Irã, Turquia, Egito e México.
Tentaremos analisar e qualificar esse suposto fenômeno de emergência, começando pela China que apresenta um crescimento econômico exponencial nos últimos quinze anos, pelo menos, com taxas médias de 10% do PIB anualmente.
Como explicar este fato inédito na História contemporânea?
Em poucos anos, sua economia ultrapassou o PIB da Itália, França e Inglaterra, tornando-se a quarta economia entre as nações, superada apenas pela Alemanha, Japão e os EUA.
Mais do que o notável desempenho da economia, compete apontar os admiráveis resultados sociais das políticas públicas chinesas que lograram incorporar, no mesmo período, 300 milhões de camponeses indigentes à força de trabalho e à sociedade de consumo. Investiu e continua a investir pesadamente na educação e formação de mão-de-obra, conhecida e respeitada como diligente e disciplinada.
Ao mesmo tempo, manda anualmente dezenas de milhares de estudantes de pós-graduação para as melhores universidades do ocidente, os quais “voltam” para seu país, diferentemente dos graduados da África, Ásia e América Latina, com todo o know how adquirido juntando-se ao enorme potencial de recursos humanos dedicando-se à adaptação, incorporação e inovações tecnológicas. Concomitantemente, houve uma expansão contínua do sistema educacional no país, constituindo-se no fator primordial do desenvolvimento social e cultural.
E, por último, mas não o menos importante, a China investe anualmente entre 45-50% de seu PIB – três vezes mais que o Brasil – nos diversos setores produtivos da economia.
Ademais, metade dos investimentos externos do mundo é canalizada para a China, cujo governo é favorável ao ingresso desses recursos, mas mantém o controle rígido sobre sua entrada e saída, garantindo por outro lado sua rentabilidade.
Fala-se muito da corrupção e da burocracia que emperrariam o crescimento. Mas, qual é o país que conseguiu em tempo tão curto reduzir essas disfunções, herança secular endêmica.
As exportações por firmas estrangeiras estabelecidas na China são atraídas por seu imenso mercado potencial de 1,3 bilhão de consumidores, muito dos quais ainda carecem de equipamentos básicos para uma vida decente.
A política externa não se rege por ideologia. A China compra petróleo e gás da Rússia, do Cazaquistão, da Nigéria e, recentemente, propôs comprar uma empresa norte-americana – proposta prontamente vetada pelos legisladores e pelo Executivo dos EUA.
Ainda assim, a China parece o melhor exemplo de um capitalismo dirigido com a presença decisiva do Estado na planificação, orientação e fiscalização da economia.
A Índia ultrapassou um bilhão de habitantes e, apesar de todas as políticas fracassadas de controle de natalidade do tempo do governo de Rajiv Gandhi, filho de Indira e Javarhahl Nehru, a sua população continua a crescer a uma taxa anual de aproximadamente 2,5% – o que significa mais 30 milhões de bocas a alimentar por ano.
Apesar do crescimento explosivo das cidades, sobretudo das metrópoles – Mumbai (antiga Bombai) tornou-se uma das maiores do mundo com 16 milhões de habitantes, com muitas famílias dormindo em tendas precárias nas calçadas, sem serviços sanitários adequados. Centenas de milhões de pessoas da população rural, que vivem de uma agricultura de subsistência, são atraídas para as grandes cidades. Outra metrópole, Nova Déli, fervilha de favelados e desabrigados, e assim também ocorre em Madras, Calcutá e outras cidades.
Apesar desse imenso fardo social, a Índia, seguindo os padrões de “desenvolvimento” desigual e combinado, construiu um respeitável parque industrial, com indústria de aço, máquinas, armamentos e montagem de carros. Além disso, vários indianos com espírito apurado de negócios criaram imensos conglomerados de empresas, tornando-se ricos a tal ponto que é possível compará-los aos marajás do antigo regime colonialista.
Mas, entre todos os setores da economia indiana, destacam-se as indústrias de informática e farmacêutica, concentrada na cidade de Bangalore. Nas suas universidades e escolas técnicas, formam-se anualmente dezenas de milhares de engenheiros e técnicos, mundialmente reconhecidos por sua competência e inteligência operacional. Muitos emigram para os EUA e Reino Unido, atraídos por altos salários pagos pelas empresas de informática. Mas, a maioria trabalha em empresas localizadas na região de Bangalore, desenvolvendo todo tipo de equipamentos, chips e software por encomenda de empresas estrangeiras situadas no ocidente, principalmente nos EUA.
A explicação é simples. Um engenheiro eletrônico indiano ganha entre US$ 10 e US$ 12 mil por ano, enquanto nos EUA, os juniores e egressos das universidades ganham US$ 50 a US$ 60 mil por ano. Grande negócio? Como em todas as vantagens aparentes, há também o “tendão de Aquiles” – um risco a não ser subestimado. Os engenheiros pesquisadores e técnicos indianos recebem não somente as encomendas das indústrias eletrônicas para executar, mas também a tecnologia embutida que eles incorporam e inovam criando uma forte e dinâmica onda autárquica de produtos eletrônicos, capaz de exportar seus produtos para o exterior, com as vantagens competitivas de baixo custo. Isto não passa despercebido pelas fábricas e economistas norte-americanos. Um deles falou recentemente do “outsourcing trap”, a armadilha das encomendas de peças e componentes aos centros de tecnologia indianos. “Dentro de poucos anos”, disse em recente conferência na Universidade de Columbia, “seremos obrigados a competir e até a comprar produtos eletrônicos e know-howdos indianos, perdendo mercados que rendem dezenas de bilhões de dólares por ano”.
Apesar de todas essas conquistas, a Índia continua a padecer de todos os males de subdesenvolvimento, deixando a maioria da população em estado de pobreza absoluta. Considerada a “maior democracia do mundo”, seu regime econômico-político nos tempos da dinastia Nehru foi extremamente rígido, centralizado e autocrático, com um Estado onipresente, mas ineficiente e caracterizado por corrupção em grande escala. Somente na última década após a vitória nas eleições do Bharatija Janata Party, com o governo de Atal Behari Vaypajee, a política indiana em relação aos investimentos estrangeiros teve mudanças, tornando o país mais aberto e receptivo e menos xenófobo e controlador. Em conseqüência, houve um afluxo de recursos externos, impulsionando as taxas de crescimento econômico para 5 a 6% ao ano.
Como em todos os casos de países de industrialização recente, esta está sendo cada vez mais automatizada e informatizada, o que faz com que o crescimento econômico absorva apenas pequena parcela do imenso contingente da massa de indigentes sem educação escolar adequada. O resto continua no estado de miséria, sem perspectiva de uma melhora previsível. Assim, a Índia continuaria como país “emergente”, mas incapaz de superar as barreiras do atraso secular, herança do regime colonial e de castas.
Embora oficialmente abolido pelo Congresso em 1949, ano da independência, a discriminação e os preconceitos contra aqueles que nascem nas castas mais baixas, sobretudo os chamados “intocáveis”, continuam em vigor, particularmente na seleção de possíveis candidatos ao matrimônio, escolhidos desde a primeira infância e prometidos pelas famílias. As mulheres, em sua grande maioria, continuam submetidas a um controle rígido dos maridos e seus familiares. Em alguns lugares de interior distantes, continua o costume bárbaro de queimar a viúva na mesma pira do cadáver do marido falecido.
Finalmente, além dos problemas regionais e sociais, na Índia falam-se 16 línguas diferentes, todas impressas nas moedas, sendo o inglês a língua de comunicação mais difundida. O mais grave problema, contudo, é o conflito religioso latente entre a maioria hindu e uma minoria substancial de 130 milhões de muçulmanos que permanecem no país, mesmo após a separação e três guerras contra o Paquistão. É um grupo que vive constantemente acuado como testemunha, entre outros fatos, a queima de uma mesquita seguida de luta de rua que provocaram mais de duas mil mortes. Com a terceira população muçulmana do mundo, após a Indonésia e o Paquistão, a Índia se vê às voltas com um problema que parece sem solução, particularmente após o aparecimento de grupos fundamentalistas nos dois campos. Embora a tensão e o conflito com o Paquistão pela posse de Cashemira tenham amainado após um encontro histórico entre o presidente-general Pervez Musharrar do Paquistão, e primeiro-ministro da Índia, Atal Behari Vaypajee, ambos os países mantêm enormes exércitos, forças naval e aeronáutica, implicando gastos desproporcionais para o orçamento público, em detrimento das políticas públicas sociais e dos investimentos em infra-estrutura.
E o Brasil?
É sintomático que na reunião deste ano do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, a situação do Brasil tenha merecido escassa atenção dos participantes, empresários, executivos e políticos, contrariamente ao ano passado, quando Lula proferia em discurso bombástico sobre a eliminação da fome e a criação de um fundo especial para este fim pelas Nações Unidas. Este ano, o Brasil não estava na pauta das discussões e a pequena delegação oficial brasileira, de apenas quatro pessoas, não primou em suas intervenções por otimismo quanto ao futuro do país.
Em nome de uma suspeita legalidade para honrar compromissos assumidos com o capital, não se cumprem as promessas feitas à população carente que, pelas estatísticas oficiais, se eleva a 50 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, ocorre uma concentração violenta de renda e de terras nas mãos de uma ínfima parcela da população, reduzindo ao extremo a possibilidade de um futuro desenvolvimento do país.
Por isso, soam ridículas as declarações bombásticas e discursos demagógicos do presidente Lula, afirmando que o Brasil entrou na rota de crescimento sustentado com distribuição de renda. Orgulha-se publicamente de o país não ser caloteiro – uma crítica velada à Argentina de Kirchner, que ousou desafiar os credores externos e o FMI, conseguindo cancelar uma parte substancial da sua dívida, aproximadamente US$ 70 bilhões, alongando os prazos do resto da dívida para 30 anos. Mesmo assim, a economia Argentina cresce à média de 7% nos últimos três anos, enquanto o Brasil continua com um taxa média de 2,5% ao ano. Na verdade, o governo Lula completou e unificou os diversos programas de assistencialismo, iniciados no governo anterior de FHC, estendendo a “bolsa-família” a mais de 9 milhões de famílias. Resgatando-as de uma situação de fome crônica, a mesma política incerta quanto o futuro transformou esses 30 milhões em clientes permanentes do Estado assistencialista e presa fácil das ambições eleitoreiras de Lula. Contando com o apoio dessa massa de deserdados e da “elite” que se locupleta vorazmente com os rendimentos de suas aplicações financeiras, Lula espera reeleger-se em outubro vindouro, sendo ajudado pela total inexpressividade política dos potenciais candidatos de oposição, talvez com exceção do prefeito Serra, temido pela elite que receia sua independência e idéias “desenvolvimentistas”. Se for reeleito, o que é possível, com as CPIs todas emperradas e sem perspectiva de mudanças, a mesma política econômico-financeira monetária e cambial instrumentada por Palocci e Meirelles vai continuar por mais quatro anos, com prejuízos incalculáveis para o povo e o país.
Não havendo recursos suficientes para investimentos básicos em habitação, saneamento, saúde, educação e infra-estrutura, a economia brasileira está sendo sucateada, processo sustentado com as privatizações onerosas de empresas estatais e o desmantelamento e a alienação da indústria nacional, comprada por empresas e conglomerados estrangeiros, o que tira do governo, quaisquer possibilidades de um planejamento racional.
Ademais, a transferência da propriedade das empresas nacionais para conglomerados que operam em escala global e planejam seus investimentos de acordo com as vantagens “comparativas”, procurando aproveitar ao máximo a existência de uma infra-estrutura razoável, baixos salários, mão-de-obra qualificada e relativamente mal paga, a exemplo dos países que foram satélites da antiga URSS, na Europa Oriental, beneficiando-se ainda de subsídios e isenções fiscais por longos períodos asseguradas pelos governos interestaduais quanto nacionais, movidos pela cobiça de atrair investimentos estrangeiros, que supostamente trariam o desenvolvimento.
Essa “guerra fiscal” continua em ritmo acelerado, privando a destarte os governos de recursos indispensáveis para obras, serviços públicos e uma verdadeira política de incorporação da massa de excluídos como cidadãos e consumidores. Sem essas políticas, o discurso demagógico sobre desenvolvimento sustentado fica esvaziado de seu significado e alcance.
Acrescento, a título de exemplo, algumas informações sobre outros países supostamente emergentes: Rússia, México, Indonésia, Tailândia, Irã e Egito, Paquistão. Somente a Rússia, depois da derrocada da União Soviética nos anos 90, passa por um período de produtiva expansão econômica, baseada em sua produção e reservas de gás e petróleo. A alta contínua dos preços de combustíveis tem resultado numa enxurrada de dólares, permitindo ao país acumular uma razoável reserva de moeda estrangeira.
O presidente Vladmir Putin, antigo agente da KGB, a polícia secreta do regime stalinista, mantém com mão de ferro a hegemonia total do governo e das empresas estatais, sobretudo de gás e petróleo, completando com o domínio absoluto do Legislativo e Judiciário, que reprime no estilo antigo qualquer manifestação de oposição. Um exemplo é o caso Yukos cujo presidente ousou declarar sua intenção de se candidatar nas próximas eleições à presidente. Michael Khodorovski está preso, acusado de sonegação, com multas que praticamente expropriaram sua empresa gigante de gás e petróleo, transferindo o controle acionista para o Estado.
Esse tipo de procedimento inclui a mais violenta e brutal repressão de minorias que ousam reivindicar autonomia com independência da Rússia, como aconteceu em Beslan e continua a acontecer na Chechênia e em outras regiões.
Essas características do atual regime político russo não auguram possibilidades de uma verdadeira democratização e abertura ao exterior. Convidado a participar do G-7, o clube dos países mais ricos, Putin aproveita para exercer seu projeto de restauração da hegemonia do regime totalitário anterior, cuja derrocada ele declarou, em discurso público, ter sido a maior tragédia da História. Ao mesmo tempo, a Rússia, sentada sobre imensas reservas de gás e petróleo, procura reconquistar sua própria hegemonia e de grande potência, construindo gasodutos de milhares de quilômetros pelos quais flui o gás que abastece hoje a maioria das empresas e casas dos países da Europa Oriental e Ocidental, mostrando sua arbitrariedade de cortar recentemente, em pleno inverno, o abastecimento de gás para a Ucrânia. Além de aumentar os preços do combustível, seu objetivo era o de castigar os ucranianos pela ousadia da “revolução laranja”, que colocou no poder o candidato Viktor Iushenko, que pregava abertamente a abertura para o ocidente contrariando o poder opressivo da Rússia. Tal como o regime stalinista foi herdeiro da autocracia secular dos czares, assim o governo Putin mantém as mesmas características de comportamento arbitrário, repressivo e absolutista.
Finalmente, algumas considerações sobre os outros países “emergentes” – México, Paquistão, Indonésia, Tailândia, Turquia, Irã e Egito. Todos estão assoberbados por dívidas, ineficiência e corrupção da burocracia política e imensos problemas sociais cujo equacionamento e solução parecem cada dia mais distantes.
Em conclusão, em vez de “emergentes”, esses países estão “subemergidos”, marcados pela barbárie, o caos social e conflitos étnicos, religiosos e sociais de proporções gigantescas. Além de terem regimes autoritários, contam com a presença ostensiva dos militares, que exercem um papel decisivo na divisão dos poderes e das posições políticas nos respectivos cenários nacionais.

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